Permacultura e pandemia: afinal, o que é e como praticar?
Mais do que saber o que significa essa filosofia ou ética de vida, agora precisamos colocar em prática seus princípios no nosso cotidiano: cuidar da Terra, cuidar das pessoas e compartilhar os excedentes
Muita gente já ouviu falar sobre permacultura ou até já fez algum curso nessa área. Mas a verdade é que explicar o que é a permacultura pode ser um pouco complicado. Isso acontece porque ela reúne muitos conhecimentos entrelaçados e integrados. Viu só? Já ficou difícil, não é?
Vamos, então, tentar simplificar, mas sem perder sua riqueza. O termo permacultura surgiu na década de 1960, na Austrália, pelos pioneiros Bill Mollison e David Holmgren. A palavra, naquela época, trazia a ideia de “cultura permanente” e também de “agricultura permanente”.
Basicamente, Mollison e Holmgren estavam em busca de um modo de vida independente da cidade, com mais autonomia, especialmente nos aspectos que eles consideravam essenciais para a vida: produzir alimentos, energia, água e moradia.
Assim, eles criaram um sistema próprio para trabalhar a terra (um sítio, uma grande fazenda ou uma casa na cidade), em que todos os elementos presentes (luz, água, ventos, terra, fogo, animais, plantações etc.) são organizados em zonas e setores, de modo a terem sua energia plenamente aproveitada, sem sobrecarregar a natureza, permitindo que os usos e as relações sejam sustentáveis.
Por exemplo: uma galinha produz ovos, esterco e se alimenta de insetos e vegetais. Ao contrário de olhar a galinha apenas como fonte de ovos e proteína, a permacultura observa e aproveita tudo que ela pode oferecer. Assim, os ovos viram alimento, o esterco ajuda a adubar as plantações e a presença controlada da galinha em hortas ajuda no controle biológico de pragas. Tudo é aproveitado, entendeu?
Agora, vamos fazer outra analogia: você já parou para pensar que uma floresta não precisa de jardineiro? Ninguém vai lá regar a floresta ou plantar sementes ou podar árvores ou controlar pragas. Por que será? Como a natureza se organiza e se inter-relaciona numa floresta para que tudo “funcione sozinho”?
A resposta está nas relações e sistemas cíclicos (e não lineares), em que tudo está interligado e existe o que chamamos de interdependência. Tudo se resolve ali mesmo, o resíduo ou excedente de um alimenta o outro, e há um equilíbrio natural. É diferente de quando nós, na cidade, jogamos fora nossos resíduos orgânicos, por exemplo, e, com isso, criamos lá na outra ponta os lixões, que geram um conjunto de problemas ambientais: contaminam o solo e a água e ainda emitem metano para a atmosfera, sem falar no gasto de recursos públicos para a gestão do lixo urbano.
Será que dá para a gente criar em nosso cotidiano alguns desses sistemas cíclicos? Sim, isso é possível, mesmo quando se mora em um apartamento ou casa pequena. Veja a seguir os 3 princípios éticos fundamentais da permacultura, e entenda o que você pode fazer para praticá-los nesses tempos desafiadores de pandemia e reflexão sobre novos caminhos para a humanidade:
1- Cuidar da terra (e da Terra)
Precisamos rever nosso jeito de lidar com o planeta, sem prejudicar os ciclos naturais, sem sobrecarregar ecossistemas com a extração de recursos, sem tirar dela mais do que ela consegue repor naturalmente. Precisamos cuidar de um espaço de terra ou um pedacinho do planeta de tal forma que ele fique melhor do que quando o encontramos. Assim, reflorestar, adubar, regenerar, despoluir e produzir mais energia do que consumimos são bons exemplos de como fazer isso.
A pandemia do coronavírus está nos mostrando o quanto precisamos mudar, transformar nossas ações, para que outras doenças não surjam, para que as populações mais vulneráveis não sofram com a falta de saneamento básico ou de acesso à terra e aos saberes ancestrais para produzir alimentos.
Está sentindo que não tem muito o que fazer para ajudar? Pense nos seus hábitos de consumo. Como está o seu armário de roupas e sapatos? Será que você tem o suficiente ou muito mais do que isso? Você pensa no ciclo produtivo da moda antes de comprar? Sabe comprar sem patrocinar rotas de trabalho escravo ou infantil, por exemplo?
E o que dizer dos seus hábitos alimentares? Será que você sabe evitar o desperdício de comida e fazer boas escolhas, mais saudáveis e que promovam uma agricultura mais sustentável?
2- Cuidar das pessoas
A permacultura fala em cuidar das pessoas e isso faz todo sentido. Somos a espécie que mais causa impactos negativos ao planeta e eles também recaem sobre a saúde das populações. Precisamos mudar isso urgentemente. De um lado, é necessário transformar atividades de setores de alto impacto, como mineração, pesca, agropecuária, transportes, entre outros.
Precisamos reduzir a desigualdade social e trabalhar para garantir acesso a bens fundamentais às pessoas: moradia, alimentação, saúde, educação. Como numa floresta, todos Somos Um e cuidar de todos é também um jeito de cuidar de si mesmo.
Ambientes mais saudáveis, com saneamento básico, tratamento de resíduos, com água potável e moradia digna precisam ser prioridade de todos. Sempre. Neste momento de pandemia, devemos refletir sobre como podemos ajudar aqueles que mais precisam, estejam eles na casa ao lado ou bem distantes de nós.
3- Compartilhar os excedentes
Redistribuir os recursos que temos em abundância é parte essencial da ética permacultura. Esses recursos podem ser uma parte da colheita da nossa horta, ou uma parte do nosso tempo para algum trabalho voluntariado, ou livros, saberes, roupas, o que for.
Pensando em pequenas comunidades ou vizinhanças, é possível imaginar locais para o uso compartilhado de bens e serviços, como internet, ferramentas, lavanderias, bicicletas, livros, tantas coisas…
A ideia é não acumular, mas fazer circular para mais pessoas, para que o consumo possa ser reduzido ao mínimo possível, sempre dentro de um limite sustentável. Muito podemos fazer com pequenas ações em nosso dia a dia. Que este momento de isolamento social possa ser, de alguma forma, um tempo de silêncio para germinarmos um mundo novo, uma preparação para novos hábitos, novos despertares, mais humanos, mais solidários, mais permaculturais! Vamos junt@s!